O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, cujo texto-base foi aprovado na última terça-feira (13/08) pela Câmara dos Deputados, regulamenta a Reforma Tributária em desenvolvimento no Brasil e traz profundas transformações no regime do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). Com mudanças que começarão a vigorar em 2025, o projeto busca unificar a legislação tributária estadual, implementar a progressividade das alíquotas, expandir a base de cálculo e redefinir a competência territorial para a cobrança do imposto. Além disso, o PLP aborda aspectos fundamentais para o planejamento patrimonial e sucessório, afetando diretamente empreendedores e investidores.
O ITCMD, cuja competência para instituição e regulamentação é atribuída aos estados e ao Distrito Federal pela Constituição Federal (art. 155, I e §1º), tributa a transmissão de bens e direitos com valor econômico decorrente de heranças ou doações. Atualmente, a alíquota máxima do ITCMD é limitada a 8%, conforme a Resolução nº 09/1992 do Senado Federal.
O projeto busca uniformizar a legislação do ITCMD entre os estados, promovendo maior clareza e previsibilidade tanto para os contribuintes quanto para as administrações tributárias estaduais. Hoje, as normas variam significativamente entre os estados, permitindo, em alguns casos, a escolha estratégica do estado mais vantajoso para a realização do planejamento patrimonial e sucessório. Com a proposta regulamentação, espera-se que haja uma harmonização das regras, estabelecendo um ambiente tributário mais consistente e menos sujeito a distorções.
Uma das inovações mais significativas do PLP 108/2024 é a obrigatoriedade da progressividade das alíquotas do ITCMD, um modelo que já é aplicado em alguns estados, como Rio de Janeiro e Santa Catarina. A progressividade, agora prevista constitucionalmente, será implementada de forma a refletir a capacidade contributiva dos contribuintes, alinhando o ITCMD ao princípio da justiça fiscal.
Esse novo regime progressivo exige que as Assembleias Legislativas estaduais estabeleçam faixas de alíquotas que aumentem conforme o valor do patrimônio transferido. Assim, por exemplo, heranças de maior valor serão tributadas com alíquotas superiores, enquanto patrimônios de menor valor estarão sujeitos a uma tributação mais leve.
Apesar de a progressividade das alíquotas ser implementada com a intenção de tornar a tributação mais justa, visando uma equidade fiscal, a aplicação prática dessa medida pode levar a um aumento geral da carga tributária. Esse aumento pode ser mais significativo em estados que enfrentam maiores dificuldades financeiras. Nesses estados, a necessidade de arrecadação pode levar à adoção de alíquotas progressivas mais altas para patrimônios não expressivos, o que, por sua vez, pode aumentar o peso dos impostos sobre os contribuintes.
Outra consequência que pode decorrer da progressividade do ITCMD é a potencial majoração da alíquota máxima fixada pelo Senado. A alíquota de 8% já está vigente há mais de trinta anos e pode ser considerada baixa quando comparada com as alíquotas aplicadas por outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, este tributo, apenas na esfera federal, é exigido em alíquotas progressivas de até 40%, porém com uma expressiva faixa de isenção, de até US$ 13,61 milhões por pessoa (para o exercício de 2024), enquanto na Suíça, a maioria dos cantões, ao contrário de outros países europeus, não tributa a transmissão de bens aos herdeiros de primeiro grau. Essas diferenças internacionais evidenciam a diversidade de abordagens na tributação sobre heranças e doações, destacando a necessidade de um planejamento cuidadoso para minimizar os impactos fiscais.
Atualmente, está em tramitação a Proposta de Resolução do Senado nº 57/2019, que propõe elevar a alíquota do ITCMD para 16%. Além disso, em 2015, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) já havia encaminhado ao Senado o Ofício nº 11/2015, sugerindo uma alíquota de 20%. Com a introdução da progressividade obrigatória do ITCMD pela reforma tributária, é plausível que essas iniciativas recebam maior atenção e potencial apoio, considerando o contexto atual de mudanças na legislação tributária.
O projeto também prevê a incidência do ITCMD sobre determinados planos de previdência privada, nomeadamente o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). No caso do PGBL, o ITCMD incidirá integralmente sobre o montante transmitido, dado o caráter previdenciário do plano. Já no caso do VGBL, a incidência do imposto se aplicará apenas se a aplicação for inferior a cinco anos. Essa regra visa evitar que o VGBL seja utilizado como um mecanismo de planejamento sucessório para evitar a tributação, assegurando que a transmissão de valores acumulados em tais planos seja adequadamente tributada conforme as novas diretrizes estabelecidas pela reforma.
O PLP 108/2024 também prevê a ampliação da base de cálculo do ITCMD, com foco especial nas transmissões que envolvem quotas ou participações societárias. A nova metodologia de avaliação exige que seja considerado o valor de mercado dos bens ou direitos transmitidos, ajustado conforme a legislação estadual.
Este ajuste na base de cálculo impactará significativamente empresas de todos os portes, que terão que reavaliar seus ativos para atender às novas exigências tributárias. A transição do valor contábil para o valor de mercado na determinação da base de cálculo do ITCMD poderá resultar em uma maior carga tributária. Assim, empresas familiares e holdings precisarão revisar seus planejamentos sucessórios e considerar a contratação de especialistas em avaliação de ativos e consultores tributários para assegurar a conformidade com as novas normas.
O projeto ainda introduz a possibilidade de incidência do ITCMD sobre a distribuição desproporcional de dividendos, especialmente em casos em que tal distribuição decorra de ato societário praticado por liberalidade, sem justificativa negocial passível de comprovação. Nessas circunstâncias, a distribuição desproporcional pode ser considerada como uma doação disfarçada, o que justificaria a aplicação do ITCMD. Essa medida visa evitar a manipulação societária como forma de elisão fiscal, garantindo que a transferência de riqueza entre sócios ou acionistas seja devidamente tributada, conforme o princípio da capacidade contributiva.
Além disso, o projeto regulamenta a tributação de Trusts e estruturas similares, inovando ao determinar que os bens e direitos em Trust serão considerados como pertencentes ao instituidor até seu falecimento. A transmissão do patrimônio aos beneficiários será tratada como uma transmissão causa mortis, sujeita à tributação do ITCMD. Se a distribuição ocorrer durante a vida do instituidor, será considerada uma doação, igualmente sujeita ao imposto.
Outra inovação do PLP 108/2024 é a mudança na competência territorial para a cobrança do ITCMD. Com as novas regras, o imposto será devido ao estado de domicílio do falecido, em vez de ao estado onde se processa o inventário ou arrolamento dos bens. Essa alteração uniformiza a competência tributária e elimina a possibilidade de escolha do estado mais vantajoso para o pagamento do imposto, afetando diretamente o planejamento patrimonial.
A reforma tributária trata de uma controvérsia relativa ao ITCMD já muito discutida na jurisprudência dos tribunais brasileiros, qual seja, a possibilidade de cobrança do imposto sobre bens situados no exterior.
O inciso III, do §1º, do artigo 155, da Constituição atualmente prevê que a incidência do ITCMD nos casos em que "o doador tiver domicílio ou residência no exterior" ou "o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior" depende de regulação por meio de lei complementar. Até hoje, o Congresso não editou esta norma, fazendo com que alguns estados passassem a instituir esta hipótese de incidência em suas legislações locais. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou definitivamente esta questão no julgamento do Tema nº 825 da repercussão geral, declarando a inconstitucionalidade dessas normas estaduais.
Com a reforma tributária, e até que seja editada a referida lei complementar, o ITCMD passará a incidir nas seguintes hipóteses: 1) quando os imóveis, ou respectivos direitos, estiverem situados no território do Ente Federativo; 2) quando o donatário for domiciliado no Ente Federativo, nos casos em que o doador seja residente no exterior, ou quando os bens estiverem localizados no exterior e ambas as partes residirem fora do país; e 3) quando o de cujus for domiciliado no Ente Federativo, ou, em caso de domicílio no exterior, quando o herdeiro ou legatário estiver domiciliado no território nacional.
O PLP 108/2024 representa um avanço significativo na busca por um sistema tributário mais justo e eficiente, mas também introduz novos desafios para o planejamento patrimonial e sucessório. As mudanças previstas por esse projeto de lei, que entrarão em vigor em 2025, proporcionam um período de transição crucial para que empresas e indivíduos ajustem seus planejamentos tributários e sucessórios.
Durante esse período, é essencial que contribuintes e investidores acompanhem de perto o andamento do PLP 108/2024 no Congresso Nacional e busquem orientação especializada para compreender plenamente o impacto das mudanças propostas. Um planejamento bem estruturado, realizado com antecedência, será fundamental para mitigar os efeitos tributários dessas alterações e garantir uma gestão eficiente dos investimentos e patrimônios. Nesse contexto, é imperativo reavaliar ativos, reestruturar holdings familiares e atualizar documentos legais, sempre com o suporte de consultores tributários e advogados especializados, a fim de assegurar a conformidade com as novas regras e minimizar os impactos fiscais.
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